sábado, outubro 01, 2005

Cotidiano

Chegou. 23h00. Da mesma maneira aparentemente fria tentou abrir a porta. Duas vezes a chave não entrou na fechadura e num gesto intuitivo girou a maçaneta. Sim. Estava trancada. Nova tentativa. Acertou e abriu. A sala continuava a mesma, e no ar, nada que o animasse. Nenhum perfume. Nenhum cheiro de comida. A Tv estava desligada, sabia disso porque desde criança ele sentia quando a TV estava ligada, era como se no ar algo vibrasse. Não vibrou. O quarto ficava cada noite mais longe. Na cozinha, nada de novo mesmo. No quarto, tirou o pesado tênis, a pesada calça, a pesada camiseta. Cogitou até a idéia de ficar de cueca. Mas não, não era destes. Vestiu uma bermuda. Com passos descalços foi à cozinha, antes, se olhou no espelho, ainda era ele, depois preparou pão, queijo, leite? Não, o leite acabou, tomou café mesmo, morno. Caminhou até a sala e ligou a TV. Algo interessante passava, mas nesse momento seu pensamento tinha um dono. Nesse momento seu pensamento tentava beijar alguém, mas seu pensamento sempre tinha os lábios barrados por mãos ingratas. Pensando bem, a culpa não foi das mãos, não se obriga alguém a sentir, ou se sente ou não. Ele sentia. Sentia algo que ficava entre o completo amor e o completo orgulho ferido. Se indagava se amava, ou se queria o que não podia ter. Sabia a resposta. Sempre soube. O prato estava vazio. O copo estava vazio. Vazio. Foi para o quarto, deitou, rezou e dormiu, o outro dia começaria cedo.