quarta-feira, junho 29, 2005

Provocações

Luís Fernando Veríssimo

A primeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão.

A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso.

Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz.

Foram lhe provocando por toda a vida.

Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça.

Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.

Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.

Estavam lhe provocando.

Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.

Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa.

Terra era o que não faltava.

Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.

Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Para valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação.

Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano... Então protestou.

Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:

- Violência, não!

Ps: esse texto não tem nada a ver com o que eu estou passando ou sentindo no momento, apenas gostei... Acho que você só pode ter uma coisa ou outra, ou felicidade na vida ou felicidade no que se escreve, atualmente eu estou feliz na vida e já me basta... Talvez eu de uma pausa com isso aqui... Ou pelo menos com coisas minhas...

sábado, junho 25, 2005

Silêncio!...

No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...


Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!


Estou junto de ti, e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se pousou e se perdeu!


Trago-te como um filho nos meus braços!
E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...
Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!...

(Florbela Espanca)

Eu já te disse que a lua ficou mais bonita? Sei lá, ela está mais cheia, parece que mais perto. Teve um dia que ficou até vermelha. Não sei. Pode ser que eu esteja reparando mais nela nas minhas novas caminhadas noturnas. Na ida, uma caminhada ansiosa, quase uma corrida, onde não reparo em nada, só quero chegar. Na volta é quase um sonho, em que esta friozinho e eu não estou sozinho, eu nem ando, eu quase flutuo, olhando a lua e sentindo o vento. E eu não estou sozinho... Eu adoro inverno de céu limpo...

segunda-feira, junho 20, 2005

Eu quero sol nesse jardim

Eu quero sol nesse jardim
Quero justiça e paz
Quero andar nas ruas, sem temer
Eu quero brilho do luar
Eu quero viajar
Pelo azul dos céus e

Quero te entender
Quero te conhecer
Quero correr ao encontro
De tudo que tive e perdi,
Nem sei porque!
Quero aprender a amar
E saber perdoar
Pois teu amor no meu peito me mostra
Direito o caminho
Para ser feliz

Eu quero sol nesse jardim
Quero a luz da manhã
E a mais perfeita de todas as canções
Quero a verdade no olhar
Eu quero amor sem fim
Tenho a certeza que você nasceu
Pra mim.

(Catedral)

Ps: Amo e sou feliz por isso.

terça-feira, junho 14, 2005

Mephistópheles

Goethe

Eu sou Mephistópheles. Mephistópheles, é o diabo. E todos vocês são Faustos. Faustos, os que vendem a alma ao diabo.

Tudo é vaidade neste mundo vão, tudo é tristeza, é pop, é nada. Quem acredita em sonhos é porque já tem a alma morta. O mal da vida cabe entre nossos braços e abraços.

Mas eu não sou o que vocês pensam. Eu não sou exatamente o que as Igrejas pensam. As Igrejas abominam-me. Deus me criou para que eu o imitasse de noite. Ele é o Sol, eu sou a Lua.

A minha luz paira sobre tudo que é fútil: margens de rios, pântanos, sombras.

Quantas vezes vocês viram passar uma figura velada, rápida, figura que lhe darei toda felicidade. Figura que te beijaria indefinidamente. Era eu. Sou eu.

Eu sou aquele que sempre procuraste e nunca poderá achar. Os problemas que atormentam os Deuses. Quantas vezes Deus me disse citando João Cabral de Melo Neto: Ai de mim, ai de mim. Quem sou eu?

Quantas vezes Deus me disse: Meu irmão, eu não sei quem eu sou.

Senhores, venham até mim, venham até mim, venham. Eu os deixarei em rodopios fascinantes, vivos nos castelos e nas trevas, e nas trevas vocês verão todo o esplendor.

De que adianta vocês viverem em casa como vocês vivem? De que adianta pagar as contas no fim do mês religiosamente, as contas de luz, gás, telefone, condomínio, IPTU?

Todos vocês são Faustos. Venham, eu os arrastarei por uma vida bem selvagem através de uma rasa e vã mediocridade, que é o que vocês merecem.
As suas bem humanas insaciabilidade, terão lábios, manjares, bebidas.

É difícil encontrar quem não queira vender sua alma ao diabo.

As últimas palavras de Goethe ao morrer foram: Luz, luz, mais luz!!

(tirado daqui)

sábado, junho 11, 2005

Se eu jogasse uma moedinha na fonte...

Bom, eu não tenho relógio neste momento, por isso eu não sei se já é dia dos namorados, mas eu quero desejar que todos que tiverem namorados que sejam felizes, que aproveitem para amar. Que para quem o amor é fácil de ter e já o tem, eu desejo que aproveite ao máximo, e que dure o máximo, e que aproveite por quem não tem amor, ou pelos que não são correspondidos, ou pelos que são correspondidos por quem não deveriam ser. E desejo para quem não tem amor, ou para os que não são correspondidos, ou para os que são correspondidos por quem não deveriam ser, que esperem, que observem, que entendam, porque do mesmo modo que não somos correspondidos também às vezes não correspondemos, o amor é uma via de mão dupla, clichê, mas é, do mesmo modo que esperamos alguém, alguém nos espera. E para os tímidos, esses são os piores, são aqueles que são correspondidos e que correspondem com medo, que o mundo não os assuste tanto, às vezes nos bloqueamos por medo que nos bloqueiem. Mas será que nos bloqueariam mesmo?


Vamp

No luar eu vi,
um dia o mesmo sangue que foi seu,
foi meu. Você me transformou,
Deu-me pra beber da eternidade.
Deu-me de comer da felicidade.
Tornou-me seu com um beijo,
com uma lágrima, um pedido.
Uma ordem. Que do sangue de todos
eu provasse, mas que o seu preferisse
e retornasse, para junto de ti,
da mesma forma como da primeira vez,
em que nu, sem carne, deixava
a mostra meus medos,
minhas alegrias bobas,
para ser acolhido e para esquecer
que um dia nos perdemos,
que um dia não nos conhecemos,
que um dia dormimos sós.

sábado, junho 04, 2005

Sonhos (continuação)

...Seria esse um sonho premonitório? Ou seria apenas mais uma evasão inconsciente de sentimentos renegados e palavras não ditas? Talvez. Ele queria com todo seu ser que fosse a primeira, e que esse sonho fosse uma prévia de uma felicidade que estaria por vir. Estúpido. Ele quer isso, mas não quer arriscar, talvez ainda tenha medo de si mesmo, e não consiga... Sei lá... Como acontecerá algo, se quando os olhos se cruzam ele se assusta? Se quando lhe vem um sorriso ele se assusta? Se quando o convite de segurar em mãos frias lhe vem ele se assusta? Ele se assusta. Às vezes ele se via segurando aquele cabelo comprido e beijando aquele pescoço longo, meio fino, que pertencia a uma pessoa doce, que de tão doce e ingênua chegava a ser até desajeitada, mas de um desajeitado charmoso, infantil. Com ela, ele não tinha tido desejos sexuais, tinha tido uma nova atração, atração esta que ele jurava não existir no mundo, uma atração por cada parte daquele ser, por cada gota de suor, por cada gesto, por cada sorriso, por cada piscar de olhos, por cada momento em que ela distraída não se sabia observada e olhava atenta para o nada, como ele também fazia, ela também esperava o que ele esperava, mas mesmo assim...
Sonhar é a única coisa que alguns podem fazer... - Disse ele se encolhendo mais e mais, rezando para sonhar de novo.

*Ao som de: You don't send me - Belle and Sebastian*