quinta-feira, outubro 14, 2004

Invisibilidade

Na primeira vez em que tomei o soro da invisibilidade tudo funcionou bem. Claro que eram outros tempos. Não havia Internet, telefones celulares, câmeras de vigilância e coisas do gênero. Eu consegui simplesmente desaparecer e, em pouco tempo, esqueceram-se de mim. Bom. Perdoem-me por dizer o óbvio, mas quem se propõe a ficar invisível quer mais é ser esquecido, certo?
Nem sempre, alguém me dirá. Eu entendo. Há os pretensos invisíveis que buscam apenas causar alguma celeuma. Sumir de mentira, fingir que some. Psicologia reversa. Ou não. Nada sei de psicologia, apenas gosto da expressão “psicologia reversa”. Tem alguma coisa a ver com o contrário, não é isso? Pois então. Se alguém some para ser procurado é porque quer ser achado, o que significa que a última coisa que pretende é sumir de verdade.
Claro que há também os puramente desafiadores, que só querem provar que podem sumir além de qualquer possibilidade de descoberta. Têm grande prazer em observar os gatos que perambulam enlouquecidos atrás deles, são como ratos que não negam a tradição dos desenhos animados e são infinitamente mais espertos e ágeis do que os pobres felinos. Não é meu caso.
Assim como foi da primeira vez, eu tomei agora o soro da invisibilidade para desaparecer da vista de todos e ser devidamente deixada em paz. Não contei com a possibilidade de haver alguém interessado em me encontrar, mas imaginei que, caso isso acontecesse, o indivíduo, frustrado nas tentativas, acabaria por me esquecer definitivamente. A quem poderia interessar a vida sem graça de uma ex-agente secreta?
Parece que não deu muito certo. Fui descoberta, como se fosse uma iniciante. Alguém me disse que andaram perguntando por mim. Não entendo isso. Se me viram por aí, por que não vieram falar comigo? As pessoas são mesmo muito estranhas. Hoje em dia sou totalmente inofensiva. Tudo o que quero é levar uma vida normal, longe das conspirações internacionais. A única coisa que guardo daqueles tempos é este grande suprimento de soro da invisibilidade que consegui esconder num frasco de xampu.
Parei de tomar o soro mas, no entanto, não vou desistir desta preciosidade que é a invisibilidade. Vou apenas mudar a minha estratégia: de agora em diante, farei farta distribuição do soro para quem me chatear. Afinal de contas, o inferno são os outros. Se alguém tem que sumir, que sejam eles.

Tirado daqui

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